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Análise das consequências da desistência do negócio pelo adquirente de acordo com o entendimento do STJ

Como resultado do crescimento econômico experimentado pelo Brasil na última década e de uma legislação imobiliária que trouxe maior dinâmica e segurança jurídica ao mercado imobiliário, as incorporações imobiliárias se multiplicaram, ganhando mais e mais relevância econômica e social.

Neste âmbito, a incorporação imobiliária foi objeto de legislação específica, que a regulou juntamente com o condomínio em edificações por meio da Lei 4.591/64 e posteriores alterações (“Lei de Incorporação”). É no parágrafo único de seu artigo 28, combinado com o seu artigo 29, que a incorporação imobiliária é tipificada e que se define o que vem a ser o incorporador imobiliário.

Entende-se como incorporador aquele empreendedor que promove um empreendimento, comprometendo-se a alienar frações de terrenos representadas pelas futuras edificações a serem construídas ou em construção, sob o regime de condomínio edilício. É ele também que coordena e se responsabiliza pela realização e entrega das unidades autônomas, podendo o incorporador atuar diretamente como construtor ou delegar dita construção a terceiro.

Um dos temas mais polêmicos vinculados às incorporações imobiliárias é a análise das consequências jurídicas do inadimplemento absoluto, pelo promitente adquirente, do contrato celebrado junto à incorporadora.

Lei de Incorporação
Em tais circunstâncias, questiona-se se são juridicamente admissíveis as cláusulas que determinam perda substancial ou mesmo total do valor total das parcelas pagas. Tais disposições contratuais se encontram presentes com frequência em contratos do gênero.

Para responder a essa indagação, a primeira análise a ser feita é se o Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) e o Código Civil Brasileiro (“CCB”) se aplicariam a essas contratações, tendo em vista existir legislação específica que regula a matéria. A resposta deve ser afirmativa, ou seja, tanto o CDC – quando se tratar de relação de consumo – como o CCB são aplicáveis, sem prejuízo da validade e aplicação da Lei de Incorporação.

O entendimento está em consonância com a jurisprudência do STJ, que há quase duas décadas julga a matéria com precisão, sustentando que a relação jurídica entre o incorporador e o adquirente deve ser regulada pelas normas da Lei de Incorporação, do CDC e do CCB, de uma forma harmônica, razoável e acompanhada da boa-fé que deve reger as relações contratuais.

A harmonização entre os diplomas legais é claramente identificada no Recurso Especial nº 80.036-SP, da relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 12/02/1996, cuja ementa menciona que “o contrato de incorporação, no que tem de específico, é regido pela lei que lhe é própria (Lei nº 4.591/64), mas sobre ele também incide o CDC, que introduziu no sistema civil princípios gerais que realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o princípio da boa-fé objetiva”.

Dessa forma, uma vez definida a aplicação do CDC pela verificação da existência de relação de consumo, a resposta à questão inicial começa a ganhar contorno, pois os contratos de compra e venda de imóveis mediante pagamento em prestações recebem previsão específica do CDC para esta hipótese de inadimplemento.

Nulidade
Dita positivação vem insculpida em seu artigo 53, que considera nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas ao incorporador que, em razão do inadimplemento do adquirente, pleiteie a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. Tal previsão é conhecida no meio jurídico como proibição à cláusula de decaimento, sendo que conforme o Recurso Especial mencionado acima, a abusividade “pode ser reconhecida tanto na ação proposta pelo vendedor (art. 53 do CODECON) como na de iniciativa do comprador, porque a restituição é inerente à resolução do contrato e meio de evitar o enriquecimento injustificado”.

Fixada, assim, a inadmissibilidade de cláusula contratual que contemple a perda total ou de parte substancial das parcelas pagas, em caso de inadimplemento do adquirente e rescisão do contrato, caberia indagar se, diante de um contrato contendo tal regra, deveria ser ela considerada simplesmente nula, restando o incorporador sem qualquer direito a retenção ou, ao contrário, faria ele jus à retenção, em alguma medida.

Boa-fé Objetiva

Valendo-se da própria interpretação da boa-fé objetiva, prevista tanto no CDC quanto no CCB, bem como do dispostono artigo 413 do CCB sobre a redução equitativa da penalidade, descarta-se de forma sumária a aplicação dos efeitos eventualmente atribuídos à nulidade total dessa cláusula (por meio da aplicação do regime das invalidades). Isso se deve, tendo em vista que deixar de ressarcir o incorporador pelos notórios gastos de administração da incorporação representaria um enriquecimento injustificado que poderia trazer prejuízos indevidos tanto ao incorporador, que desempenha importante papel na produção de riquezas ao país, bem como aos demais adquirentes, pelo abalo das finanças do empreendimento.

Com relação ao quantumindenizatório, a jurisprudência atual do STJ, em linhas gerais e sem prejuízo das particularidades do caso concreto, oscila entre um percentual de 10% a 25% do valor das parcelas pagas a título de ressarcimento, devendo o excedente ser devolvido ao adquirente após o desfazimento do negócio, sendo vedada a devolução somente quando da data da entrega das unidades autônomas aos demais adquirentes.

Tendo em conta a reiteração das decisões judiciais, pode-se dizer que existe uma suficiente segurança nessas orientações jurisprudenciais. Elas servem, assim, como guia na redação e interpretação de contratos, como forma de evitar possíveis litígios acerca dessas matérias.